Vinha no caminho para casa a pensar em tudo o que herdamos e em tudo o que nós somos... Não posso falar sobre ninguém, mas posso falar sobre mim e sobre o pouco que de mim conheço. Sei ser muito o meu pai, em traços físicos e personalidade... da minha mãe ganhei a sensibilidade, um pouco da gigante força que tem e a teimosia. Mas há traços que são nossos e apenas nossos... e foi por aí que comecei hoje a divagar enquanto conduzia... Andei em colégios, vivi rodeada pelas chamadas "pessoas de bem", de berço, toda a minha infância e adolescência. Durante esse período o André podia ser apenas o André, a Sara a Sara, o Miguel o Miguel... Não havia apelidos, já que todos os que me rodeavam eram filhos de beltrano ou citrano, todos gente de bem. Entrei para o liceu e as coisas mudaram. Sempre que qualquer pessoa entrava no meu circulo de relacionamento era bombardeada pelo meu pai com a mesma pergunta:
- Como se chama?
- Sofia...
- Mas Sofia quê?
- Sei lá...
Mais cedo ou mais tarde acabava por saber o raio do apelido e lá lhe dizia... Se fosse um nome sonante:
- Andersen? Por acaso o pai dele não se chama "nome"?
- Sei lá...
Se o nome não lhe soasse a nada, por ser conhecido publicamente ou por ser um apelido familiar respondia com - Ahh...
Em algumas vezes que lhe disse apelidos ,de facto acabámos por mais tarde chegar à conclusão que era um neto de um amigo dele de infância, um filho de alguém com quem trabalhou, um sobrinho de uma grande amiga... Criavam-se laços especiais, falava-se da vida dos avós, pais e tios... e a relação mantinha-se... mas só porque existia um elo especial entre o meu pai e alguém na vida deles...
Infelizmente para o meu pai sempre fui "neutra"... ligava aos nomes por ligar, mas nunca me ligava às pessoas por interesse... chegava a fugir... fugia da pedantice. Confesso que por vezes me senti inferior na viragem adolescência/juventude, por estar rodeada de pedantice... e apenas fui inferior porque me deixei levar pelo peso dos nomes... o liceu estava cheio deles... e assim comecei a dar-me com os Silvas só Silvas, os Santos só Santos e todos os nomes que sózinhos, sem "de's" e "da's" e "e's", não eram sonantes. Houve algumas vezes que cheguei a casa com novos amigos e sendo ou não fase da moda de calças rasgadas e aspecto desmaselado, o meu pai delicadamente cumprimentava, oferecia a casa e dáva um exemplar banho de diplomacia e cortesia às minhas visitas. Depois de sairem, nem me perguntava os apelidos... não valia a pena.
Por fim, tinha alguma desilusão, algum deles me magoava e chegava a casa triste e deprimida... Não valia a pena sequer perguntar. Sempre me leu de frente e do avesso e graças a Deus nunca me disse "Eu bem te avisei...", porque nunca me avisou. Deixou-me sempre experimentar, tomar as minhas decisões se eu achasse que eram as certas... se eu caísse, lá estava ele para me apanhar, sem me recriminar e a olhar-me com um olhar triste por ver a minha decepção. Desiludi-me muito também com as pessoas chamadas "de bem" e com essas o meu pai teve a mesma reação, provavelmente com uma dose extra de tristeza, já que eram os "dele" que me magoavam... e não podia ser...
Acho que o único defeito que alguma vez lhe apontei e lhe disse na cara, naquela fase avariada e de afirmação que é a juventude, foi - És um snob! - Não ligou, e hoje que penso nisso é coisa que não é, de facto. Quis o meu bem, quis saber com quem andava e, se fosse filho, neto ou sobrinho de alguém que ele conhecia sentia-se seguro, sentia que estaria em boas mãos... e com 70 e tal anos na altura, conhecia realmente meio mundo... É justo... É um medo natural dos pais... "Diz-me com quem andas, digo-te quem tu és" lá diz o povo, e por muito que tentemos mudar, a sociedade leva-nos involuntariamente a pensar assim.
Fiz as minhas amizades, criei a minha redoma sem pensar em nomes sonantes, aumento a minha redoma com aqueles que me fazem sentir bem, que têm amor escrito por toda a pele... são amor.
- Como se chama?
- Sofia...
- Mas Sofia quê?
- Sei lá...
Mais cedo ou mais tarde acabava por saber o raio do apelido e lá lhe dizia... Se fosse um nome sonante:
- Andersen? Por acaso o pai dele não se chama "nome"?
- Sei lá...
Se o nome não lhe soasse a nada, por ser conhecido publicamente ou por ser um apelido familiar respondia com - Ahh...
Em algumas vezes que lhe disse apelidos ,de facto acabámos por mais tarde chegar à conclusão que era um neto de um amigo dele de infância, um filho de alguém com quem trabalhou, um sobrinho de uma grande amiga... Criavam-se laços especiais, falava-se da vida dos avós, pais e tios... e a relação mantinha-se... mas só porque existia um elo especial entre o meu pai e alguém na vida deles...
Infelizmente para o meu pai sempre fui "neutra"... ligava aos nomes por ligar, mas nunca me ligava às pessoas por interesse... chegava a fugir... fugia da pedantice. Confesso que por vezes me senti inferior na viragem adolescência/juventude, por estar rodeada de pedantice... e apenas fui inferior porque me deixei levar pelo peso dos nomes... o liceu estava cheio deles... e assim comecei a dar-me com os Silvas só Silvas, os Santos só Santos e todos os nomes que sózinhos, sem "de's" e "da's" e "e's", não eram sonantes. Houve algumas vezes que cheguei a casa com novos amigos e sendo ou não fase da moda de calças rasgadas e aspecto desmaselado, o meu pai delicadamente cumprimentava, oferecia a casa e dáva um exemplar banho de diplomacia e cortesia às minhas visitas. Depois de sairem, nem me perguntava os apelidos... não valia a pena.
Por fim, tinha alguma desilusão, algum deles me magoava e chegava a casa triste e deprimida... Não valia a pena sequer perguntar. Sempre me leu de frente e do avesso e graças a Deus nunca me disse "Eu bem te avisei...", porque nunca me avisou. Deixou-me sempre experimentar, tomar as minhas decisões se eu achasse que eram as certas... se eu caísse, lá estava ele para me apanhar, sem me recriminar e a olhar-me com um olhar triste por ver a minha decepção. Desiludi-me muito também com as pessoas chamadas "de bem" e com essas o meu pai teve a mesma reação, provavelmente com uma dose extra de tristeza, já que eram os "dele" que me magoavam... e não podia ser...
Acho que o único defeito que alguma vez lhe apontei e lhe disse na cara, naquela fase avariada e de afirmação que é a juventude, foi - És um snob! - Não ligou, e hoje que penso nisso é coisa que não é, de facto. Quis o meu bem, quis saber com quem andava e, se fosse filho, neto ou sobrinho de alguém que ele conhecia sentia-se seguro, sentia que estaria em boas mãos... e com 70 e tal anos na altura, conhecia realmente meio mundo... É justo... É um medo natural dos pais... "Diz-me com quem andas, digo-te quem tu és" lá diz o povo, e por muito que tentemos mudar, a sociedade leva-nos involuntariamente a pensar assim.
Fiz as minhas amizades, criei a minha redoma sem pensar em nomes sonantes, aumento a minha redoma com aqueles que me fazem sentir bem, que têm amor escrito por toda a pele... são amor.
Sei que o meu pai quando hoje me olha reconhece isso, sei que sente orgulho na filha que tem e que sabe que o vejo a ele e à minha mãe como pilares, o exemplo a seguir em toda a minha caminhada. Sou um cocktail de genes fantásticos, as qualidades são todas deles, os defeitos são todos meus, mas as qualidades deles juntas neste cocktail fazem com que alguns dos meus muitos defeitos por vezes fiquem escondidos.
Santo cocktail que me dá força, que me faz suar de amor por todos os poros e me faz encaixar em qualquer sitio.
Pic: Einstijn
2 comentários:
Lindo e corajoso este teu post.
bem haja a esse cocktail :)
beijo repleto de amor azul
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