Em pequena via sombras e figuras em todos os relevos que eram levemente iluminados pela luz do corredor que pedia para ficar sempre aberta. Todas as noites tapava a cabeça com o lençol deixando apenas uma nesga para respirar. De manhã quando acordava com a Rosa a trazer-me papa nestum com mel, dizia-me sempre docemente: "oh menina, quando é que deixa de ter medo e de se tapar assim inteirinha? Nem sei como é que respira...". De noite sempre que saía da sala e tinha de percorrer o corredor para os quartos, o método repetia-se... Abre a luz, volta a traz para apagar a última, vira-te rápido, não olhes para trás, passa pela última luz que acendeste, abre a outra, volta atras para apagar a última, vira-te rápido, não olhes para atrás, passa pela última luz e abre a luz do quarto. Era sempre assim... Um dia, anos mais tarde, a Rosa foi-me levar a papa logo pela manhã e a luz do corredor estava apagada e eu com a cabeça destapada. Cheia de orgulho disse-lhe "Vês Rosa? Já sou crescida". Passei a adorar dormir no escuro cerrado, mas a ginástica de luzes do corredor, de vez enquando ainda ocorria. Mas achava que não mais tinha medo do escuro. Mas há poucos dias de repente e no meio do nada vi que tinha. Não do escuro escuro, mas do escuro de lugares desconhecidos. No meio do medo que descontrolavelmente me percorreu chegou a força que o venceu. "Pensa no teu pai, pensa no teu pai!" e aos poucos o medo desapareceu. Não voltei a sentir esse tipo de invasão do meu espaço até há uns dias quando percorria o castelo de Tavira e dei po mim de repente numa rua estreita e subitamente escura durante o dia... do lado esquerdo as escavações arqueológicas do antigo palácio Corte-Real. Primeiro o coração a bater freneticamente e um segundo depois o medo dispersou e virou curiosidade e encanto... sempre me fascinou a arqueologia e mais me fascina pensar que por debaixo das nossas casas existe tanta história, tantas casas e pegadas de alguém.
Agora estou numa varanda debaixo de um céu escuro e estrelado com uma lua cheia que ontem esteve temporariamente vazia e tão igual à minha, e penso - tenho medo? - oh...de tanta coisa! E se calhar o escuro é o menor deles... Mas hoje mais do que nunca sei e confio na mão que me defende e me acarinha.
17.8.08
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