9.7.08

Obrigada

Um dia, há já muitos anos, a folhear um dos muitos livros antigos do meu pai encontrei uma folha dactilografada num papel fino dobrado em quatro. Desdobrei cuidadosamente o papel que de tão fino colocava as letras em relevo e descobri um poema em françês. Perguntei-lhe o que era e respondeu-me que era o poema de uma das músicas mais belas de sempre. Não duvidando nunca do seu gosto, pus-me a ler e a tentar entendê-lo com o meu fraco e ainda iniciático francês. Agarrou no disco de vinil e pos a música a tocar no gira-discos. Para uma miúda de tão pouca idade, entender tanta dor e vê-la como bela era inatingível. Mas adorava ouvir os érres carregados de emoção e a música de alguma forma me prendeu, tanto que ainda hoje me lembro de cor de grande parte do poema.

Hoje ao atravessar a ponte Vasco da Gama debaixo de um céu estrelado e com a minha Lisboa resplandecente e angelicamente iluminada ao fundo, mudei de estação de rádio e em perfeita sintonia com os sentimentos que me inundavam e em jeito de homenagem ao homem mais luminoso do mundo, 'Ne me quitte pas' começou a tocar. Hoje, vinte anos mais velha, entendo-a, sinto-a e acho-a bela. Hoje, acho-te mais belo que nunca, por te deixares tocar com tanta ternura.

Obrigada por me mostrares mais uma vez e de uma forma tão especial que o amor é o maior valor.

Obrigada por frisares que não é defeito ser transparente.

Obrigada pelo teu eterno amor...


“Não me deixes...
É preciso esquecer
Tudo pode ser esquecido
que já tenha passado

Esquecer os tempos
dos mal-entendidos
e o tempo perdido
tentando saber como

Esquecer as horas
que às vezes mataram
com sopros de porquês
a última felicidade

não me deixes… não me deixes… não me deixes…

Eu te oferecerei
Pérolas de chuva
Vindas de países
Onde nunca chove…

Escavarei a terra
Eu escaparei à morte
Para cobrir o teu corpo
De ouro e de luzes

Eu Criarei um país
Onde o amor será rei
Onde o amor será lei
Onde tu serás rainha

não me deixes… não me deixes… não me deixes…

Não me deixes
eu te inventarei
palavras absurdas
que compreenderás…

Eu te falarei
daqueles amantes
que viram de novo
os seus corações ateados

Eu te contarei
A história daquele rei
Morto… por não ter podido
te reencontrar

Não me deixes… Não me deixes… Não me deixes…
Quantas vezes não
se reacendeu o fogo?
do ancião vulcão
que julgávamos velho…

Até há quem fale
de terras queimadas
a produzir mais trigo
que o melhor Abril

E quando vem a noite
com um céu flamejante
vê como o vermelho e o negro
se casam…
Para que o céu se inflame

não me deixes… não me deixes… não me deixes…

Não me deixes
Não vou chorar mais
Não vou falar mais
Eu me esconderei ali
para te contemplar
a dançar e a sorrir
para te ouvir a cantar e a rir

Deixa-me ser a sombra da tua sombra,
A sombra da tua mão
A sombra do teu cão

não me deixes… não me deixes… não me deixes…”

BRAVO!

Tradução de "Ne me quitte pás" - Jaqcues Brel

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